sábado, 20 de fevereiro de 2010

Transporte Coletivo

Transporte coletivo é um nome lindo, quase um eufemismo para tratarmos do assunto: ônibus. No ônibus o contato físico coletivo acontece! Muitos de nós estão à mercê da qualidade desse tipo de serviço. Digo qualidade sem conotações positivas ou negativas. Por enquanto!

Há um tempo atrás escrevi uma paródia para a música do Mano Chao, Clandestino, que intitulei Um Busão Lotado. Busão é uma forma carinhosa e quase um disfarce gentil para chamarmos um veículo, que apesar do “ão”, parece não ter espaço algum.

Apesar disso, é interessante observar a dinâmica dentro de um ônibus. Imagine: ele está lotado, não há espaço para passar, você pede licença para o ser humano à sua frente, que dá um pequenino passo, você passa; encosta na pessoa e de repente você percebe ela lhe encarar com cara feia. Mas é inevitável encostar. Se você fosse a pessoa a dar licença faria o mesmo com o sujeito que se encostou a você. Agora por que todos querem passar por nós e ir para o fundo do ônibus? O que é que tem lá, além da porta, que todo mundo quer ir para lá?

Em dias de chuva é uma coisa muito complicada. Basta uma gota, basta uma gota no ombro de alguém sentado, que este alguém fecha a janela. Dentro de um ônibus sentimo-nos sufocados já ao entrar e ainda tem um ser humano que fecha a possibilidade de o ar entrar. E não podemos reclamar, pois ele está sentado. Ele tem o direito de abrir e fechar a janela quando quiser. É interessante que ficamos com raiva, mas dentro de um ônibus conseguimos manter o autocontrole. Ainda em dias de chuva, há pessoas que decidem fechar o guarda-chuva dentro do ônibus e, com os braços esticados e o objeto encharcado em mãos, molham as pessoas ao passar pela catraca. Tem sempre aquele cidadão, que quando você está sentado, para em pé ao seu lado, com aquele guarda-chuva gentilmente umedecendo seus pés.

Em dias de calor é também bastante complicado. Há também pessoas que fecham as janelas nesses dias. Eu gostaria de ter uma explicação lógica para tal, mas no momento não disponho de uma. O contato físico em dias quentes parece ser obrigatório. Corpos suados, corpos fedidos... Tudo conspira contra você chegar limpo e cheiroso ao seu destino.


Entretanto, os motoristas sofrem. Ao entrarmos em qualquer ônibus é possível ver uma placa enorme de troco máximo. Contudo, as pessoas sempre insistem em pagar com uma nota maior que o troco máximo. Todos nós esperamos compreensão do motorista. Todos nós ficamos revoltados quando damos o sinal e ele não para e lá do fundo gritamos: oh motor! Com um ônibus lotado nem pensamos que o motorista pode ter seu campo de visão diminuído e não perceber que ainda pode ter gente para descer em algum ponto. Daí, lá do fundão, gritamos novamente: oh motor, abre a porta! Ficamos indignados quando damos sinal no ponto de parada e o motorista não para pela razão de o ônibus estar lotado. Mas mesmo assim reclamamos e não agradecemos que ele nos poupou de irmos pendurados nas costas de alguém.


Foi a tiazinha que fechou a janela, foi ela que deixou o guarda-chuva pingando nos nossos pés... Foi o tiozão que roçou as coxas nas nossas traseiras... Foi um idoso que nos roubou um assento... Foi a empresa responsável pelo transporte da cidade que aumentou o valor da passagem... Mas é no motorista que descarregamos a fúria. Com o perdão do trocadilho, dentro de um ônibus, a única vez que perdemos a “linha” é com o motorista. Dentro de um ônibus todos possuem um bode expiatório em comum: o motorista!

Vídeo: Um Busão Lotado (Danilo Anhas)

domingo, 14 de fevereiro de 2010

O Mundo de Dentro


Quem nunca se sentiu sozinho? Não falo aqui de sentir-se assim apenas quando privado de companhia... Falo de um sentimento de estar sozinho mesmo quando rodeado das pessoas mais queridas, dos melhores amigos, familiares... Enfim, falo de um sentimento de solidão interna, de um vazio que muitas vezes nem conseguimos explicar. Falo daquele sentimento que comove, que machuca, sem nos darmos conta ao certo dos motivos disso acontecer. Falo daquela vontade de chorar, aquela vontade que, nesses instantes, parece nunca acabar. Mas, mesmo assim, muitas vezes nem dá pra chorar. Se nos propuséssemos a isso, levaríamos dias para chorar tudo o que teríamos aliviar essa dor. E o mais intrigante, por quê?
Muitas pessoas sentem-se assim. Vivem o vazio de suas vidas sem nem se conhecerem direito. Vivem em busca de saber quem são, mas às vezes, cansadas de nunca encontrar um caminho, param. Mas a vida é múltipla. Existem muitos caminhos e não apenas um. A multiplicidade da vida nos proporciona a vantagem de nos sentirmos sós. A sós conosco. Sentir-se só nos abre possibilidades. Somos humanos e por isso somos seres com uma infinidade de sermos, estamos sempre abertos a possibilidades. E às vezes, por não sabermos o caminho, sentimo-nos sós. A volatilidade de relacionamentos, as dúvidas e incertezas diante da vida pessoal, profissional, amorosa... As incertezas e dúvidas com relação a nós mesmos. Mais difícil do que não saber com quem estamos lidando ou com o que, é ter que lidar com nós mesmos. Com nosso interior. Vivemos esta batalha diariamente. Mas não é ruim. Estamos acostumados a dar valor ao que está fora. Todavia, também descartamos coisas que não tem mais valor ou que não nos trazem mais vantagem alguma. E por incrível que pareça, alguns de nós fazem isso não só com as coisas, mas o fazem também com pessoas. Tudo bem, podemos nos livrar daquilo que não nos agrada e ter que conviver ou não com a solidão. Mas uma coisa é fundamental: não podemos descartar a nós mesmos. Podemos tentar, mas é um tiro que sempre sai pela culatra. Não existe só o mundo do lado de fora, existe um mundo que está dentro de nós. Um mundo que se transforma e transforma, que quer ter sua expressão no exterior... Os caminhos que seguimos no mundo de fora se entrecruzam com os do mundo de dentro. Depositar toda a culpa, responsabilidade, esperança ou qualquer outra coisa no mundo de fora, quase sempre é esquecer a importância do que há dentro de nós, no mundo de dentro. As respostas muitas vezes abrigam nosso interior. Sentir-se só, consigo mesmo, é a grande oportunidade de encontrar um caminho e de estar em contato com a multiplicidade do ser, saber lidar com essa angústia e seguir em frente.